terça-feira, 15 de março de 2016

Cinema: A Bruxa

Pode ser cedo para cravar, já que estamos em março, mas dificilmente outro filme vai superar A Bruxa este ano. É o terror de 2016, senão dos últimos tempos. O que o torna tão especial? Elementos que funcionam em clássicos como O Iluminado, O Exorcista e O Bebê de Rosemary, como sugerir ao invés de dar sustos gratuitos, e criar um clima de suspense eficiente em todos os elementos em cena.

Outro mérito da obra escrita e dirigida pelo estreante Robert Eggers é permitir múltiplas interpretações. Quem me acompanha no Diário sabe o que penso sobre o Lado Negro, por isso não se surpreenda com o viés da crítica. Em todo caso, uma interpretação psicológica do que se passa com a família, levada ao extremo em seu fanatismo religioso, é perfeitamente plausível.

Por outro lado, as cenas finais de A Bruxa sugerem também que o Mal não só está presente, como foi responsável - de várias formas - pelos acontecimentos na vida da família de colonos da Nova Inglaterra do século 17. Expulsos da colônia em que viviam, supostamente pelo extremismo religioso do patriarca, William (Ralph Ineson, de Guardiões da Galáxia), o clã se aloja próximo a uma floresta e isolados a um dia de distância, a cavalo, de qualquer outra pessoa.

A família, composta pela mãe Katherine (Kate Dickie, de Game of Thrones), os filhos adolescentes Thomasin (Anya Taylor-Joy) e Caleb (Harvey Scrimshaw), e três crianças (um casal de gêmeos e um bebê), se mostra unida a princípio, mas acontecimentos trágicos vão minando esta relação.

A começar pelo desaparecimento misterioso do bebê, quando estava sob os cuidados de Thomasin. Depois, o até então dócil bode Black Philip se torna agressivo. Na sequência, o amadurecimento da filha, que está se tornando mulher, abala os pais e o irmão Caleb. Antes de ver o filme, li que havia sugestão de incesto entre os irmãos. Se reparar nos seios da irmã é incesto, ninguém conhece a puberdade! Ainda mais numa família isolada do mundo.


ALERTA DE SPOILERS
A partir dai, o que era visto como exageros da fé de William e medos infantis dos pequenos se torna realidade. Afinal, assim que some o bebê, vemos uma velha mulher nua, numa caverna, passando no corpo o que parece ser um patê de carne humana. Sugestivo o suficiente? Nada de sustos, apenas uma trilha sonora e fotografia bem aplicadas.

Após desaparecer na floresta, quando sai com a irmã atrás de uma caça que possa ajudar a família, o jovem Caleb é encontrado nu no meio de um temporal, aparentemente possuído por algo demoníaco. A cena da família reunida ao redor do leito de Caleb, orando enquanto ele se recupera por alguns minutos antes de morrer, é forte e intensa. Assim como a reação dos gêmeos, que não conseguem rezar e desmaiam.

Acusada de bruxaria, Thomasin acaba isolada da família e se volta para a única explicação plausível: as brincadeiras dos gêmeos com o bode devem ser reais. As músicas bobas cantadas por eles, de que Black Philip é o rei da casa e fala com as crianças, não parecem mais imaginação infantil.
O desfecho, que muitos criticam por expor o mistério que até então havia sido sugerido de forma sutil, pode ser visto da forma como se apresenta: não só haviam bruxas na floresta que cercava a família, como o próprio Diabo estava presente na forma de Black Philip.

Confesso que senti um arrepio no corpo todo na hora em que Thomasin, completamente sem esperanças após perder toda a família, "vende sua alma" e fala com o bode, que a responde confirmando suas suspeitas. A cena final, em que a jovem se une às demais bruxas numa roda de levitação e magia negra, é de um simbolismo macabro.

A Bruxa não só é eficiente, em tempos de franquias rasas como Atividade Paranormal e filmes descartáveis envolvendo exorcismos, como ajuda o gênero a se firmar após tantas baixas. E a campanha de divulgação deu o que falar, a ponto de ser elogiado por um culto satânico americano e causar medo no mestre Stephen King!
A mensagem que o filme deixa é que não podemos esquecer o ditado: no creo en brujas, pero que las hay, las hay...

A Bruxa (The Witch, 2016)
Direção e roteiro: Robert Eggers 
Elenco: Ralph Ineson, Kate Dickie, Anya Taylor-Joy e Harvey Scrimshaw
Nota: 4,5/5

Nenhum comentário:

Postar um comentário